Sondas Espaciais Voyager 1 e 2

Graças a séculos de acúmulo de conhecimentos, a humanidade pode enviar sondas para o espaço em busca de respostas sobre todos os nossos questionamentos a respeito dos planetas, do espaço interestelar, da nossa origem, entre outros. É sobre duas delas em específico que vamos falar: as sondas espaciais Voyager 1 e Voyager 2.

A NASA construiu as suas duas sondas espaciais Voyagers (idênticas) e tinha como objetivo aproveitar um alinhamento dos planetas mais externos, que só acontece a cada 175 anos. Com isso, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno estariam perfeitamente posicionados, permitindo aos cientistas planejar uma trajetória que enviaria a nave por cada um desses planetas. Este caminho também significava que, depois de concluírem a sua missão principal no nosso sistema solar, tanto a Voyager 1 quanto a Voyager 2 continuariam no espaço interestelar.

As duas sondas foram lançadas do mesmo local: base de lançamento do Centro Espacial Kennedy, no Cabo Canaveral, Flórida (EUA). A Voyager 2 foi lançada em 20 de agosto de 1977, enquanto a Voyager 1 foi lançada em 5 de setembro de 1977.

Teste inicial do sistema da Voyager na Estação da Força Aérea de Cabo Canaveral (Flórida, EUA). Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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O foguete de lançamento Titan/Centauro-6 foi transferido para o complexo de Lançamento 41 no Centro Espacial Kennedy (Flórida, EUA) para concluir os procedimentos de verificação em preparação para o lançamento. A foto é datada de janeiro de 1977. Este veículo levou a Voyager 1 ao espaço em 5 de setembro de 1977. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Imagem da Voyager. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Os cientistas projetaram as naves para que elas durassem até 5 anos, que conduzissem estudos sobre Júpiter e Saturno, além das maiores luas dos dois planetas. Conforme a missão prosseguia, os cientistas e engenheiros viram que era possível estenderem a missão até Urano e Netuno, o que de fato foi feito, conforme veremos em detalhes.

A missão principal da Voyager para Júpiter e Saturno foi cumprida quando a Voyager 1 chegou ao ponto mais próximo de Júpiter, em 05 de março de 1979 e a Saturno, em 12 de novembro de 1980, seguida pela chegada da Voyager 2 a Júpiter, em 9 de julho de 1979 e a Saturno, em 25 de agosto de 1981.

A trajetória mais rápida da Voyager 1 foi desenhada de forma a permitir uma posição mais favorável à observação de Io e de Titã (luas de Júpiter e Saturno respectivamente), o que garantiu que ela atingisse a missão principal antes da Voyager 2, embora tenha sido lançada da Terra cerca de duas semanas após a Voyager 2. Esta trajetória da Voyager 1 dobrou o caminho da espaçonave inexoravelmente para o norte, saindo do plano eclíptico (plano da órbita da Terra ao redor do Sol. Os corpos planetários do Sistema Solar tendem a ficar mais próximos deste plano); não sendo possível a continuação da missão em direção a Urano/Netuno, fazendo com que a Voyager 1 seguisse uma trajetória que levaria a sair do Sistema Solar. Enquanto que a Voyager 2 foi projetada para voar por Júpiter/Saturno em um ponto que enviaria automaticamente a espaçonave na direção de Urano e Netuno.

Juntas, as espaçonaves tiraram mais de 33 mil fotos de Júpiter e seus cinco principais satélites. Os cientistas ficaram surpresos com muitas das descobertas das Voyager 1 e 2 sobre Júpiter; foi possível entender importantes processos físicos, geológicos e atmosféricos que acontecem no planeta e em seus satélites, bem como sobre a sua magnetosfera.

A maior descoberta foi o vulcanismo ativo no satélite Io, foi a primeira vez que vulcões ativos foram vistos em outro corpo do sistema solar. Os cientistas supõem que a atividade em Io afeta todo o sistema jupteriano: ele parece ser a principal fonte de matéria que permeia a magnetosfera de Júpiter (região do espaço que circunda o planeta, influenciada fortemente pelo campo magnético do mesmo). Isso porque enxofre, oxigênio e sódio, aparentemente expelidos pelos vulcões de Io foram detectados na borda externa da magnetosfera.

Uma das luas de Júpiter, Io, com vulcões ativos. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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O encontro das duas espaçonaves com Saturno aumentou nosso conhecimento e alterarou nossa compreensão sobre Saturno. Com as observações foi possível obter dados de alta resolução, bastante diferentes das imagens reunidas durante séculos de estudos baseados aqui na Terra. Ambas as Voyager mediram a rotação de Saturno (duração de um dia) em 10 horas, 39 minutos e 24 segundos. A Voyager 1 descobriu que cerca de 7% da atmosfera superior de Saturno é de Hélio (a de Júpiter é 11%), enquanto todo o resto é hidrogênio. Esperava-se que a abundância de hélio interno de Saturno fosse igual à de Júpiter e do Sol, porém a menor abundância de hélio na atmosfera pode significar que o hélio mais pesado pode estar lentamente afundando através do hidrogênio de Saturno. Esta interpretação pode explicar o excesso de calor que Saturno irradia sobre a energia que recebe do Sol (Saturno é o único planeta menos denso que a água. Se fosse possível colocá-lo sobre um lago, ele flutuaria).

Saturno, seus anéis e suas luas Tétis e Dione. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Anéis de Saturno em cores falsas. As variações de cor indicam uma composição química diferente. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Anéis de Urano, incluindo o recém-descoberto 10° anel designado 1986U1R. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Três das luas descobertas pela Voyager 2: 1986U1, 1986U3 e 1986U4. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Grande mancha escura de Netuno, acompanhada por nuvens brancas de alta altitude. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Terreno do polo sul de Tritão, maior lua de Netuno. Cerca de 50 plumas escuras marcam o que podem ser vulcões de gelo. Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Em 24 de janeiro de 1986 a Voyager 2 atingiu o ponto mais próximo de Urano, retornando fotos detalhadas e outros dados do planeta, suas luas, campos magnéticos e anéis escuros. Vários instrumentos estudaram o sistema de anéis, descobrindo detalhes dos anéis conhecidos anteriormente e dos anéis detectados recentemente. As imagens das cinco maiores luas ao redor de Urano revelaram superfícies complexas, o que indica passados geológicos variados, bem como detectaram 11 luas nunca vistas antes.

Em 25 de agosto de 1989 a Voyager 2 alcançou o ponto mais próximo de Netuno, tornando-se a primeira espaçonave a observá-lo, também chegando a observar a sua lua Tritão, cumprindo assim sua missão final. Depois a espaçonave voou para o sul, abaixo do plano da eclíptica, em um curso que a levou para o espaço interestelar, assim como a Voyager 1.

Como as duas Voyagers seguiram rumo a novos destinos transplanetários, o projeto agora é conhecido como a Voyager Interstellar Mission (VIM) (Missão Interestelar Voyager). O objetivo da missão é estender a exploração do sistema solar pela NASA, além da vizinhança dos planetas externos, até os limites externos da esfera de influência do Sol, e possivelmente além.

Logo, o VIM é uma extensão da missão principal da Voyager que foi concluída em 1989 com o sobrevoo de Netuno pela Voyager 2. Netuno foi o último planeta externo visitado por uma espaçonave Voyager. A Voyager 1 completou seus sobrevoos planejados dos sistemas planetários de Júpiter e Saturno, enquanto a Voyager 2, além de seus próprios sobrevoos próximos de Júpiter e Saturno, completou os sobrevoos próximo dos dois gigantes gasosos restantes, Urano e Netuno.

A Voyager 1 está escapando do sistema solar a uma velocidade de cerca de 3,6 UA por ano (1 Unidade Astronômica equivale a distância da Terra ao Sol), 35 graus fora do plano da eclíptica ao norte. A Voyager 2 também está escapando do sistema solar a uma velocidade de cerca de 3,3 UA por ano, 48 graus fora do plano da eclíptica ao sul.

É apropriado considerar o VIM como tendo três fases distintas: o choque de terminação, a exploração da heliosfera e as fases de exploração interestelar. A passagem pelo choque de terminação encerrou essa fase e iniciou a fase de exploração da heliosfera. A heliosfera é uma bolha ao redor do sol, criada pelo fluxo externo do vento solar do sol e o fluxo interno oposto do vento interestelar. Essa heliosfera é a região influenciada pelas propriedades dinâmicas do Sol, que são transportadas pelo vento solar - como campos magnéticos, partículas energéticas e plasma do vento solar. A Voyager 1 cruzou o choque de terminação em dezembro de 2004 e a Voyager 2 cruzou em agosto de 2007.

Na heliosfera, a influência do Sol diminui e o início do espaço interestelar pode ser sentido. É onde os ventos solares com velocidades de 1.600.000 km/h diminuem para cerca de 400.000 km/h - a primeira indicação de que o vento está se aproximando da heliopausa. A heliopausa marca o fim da heliosfera e o início do espaço interestelar.

O conceito de artista mostra as duas naves espaciais Voyager explorando uma região turbulenta do espaço conhecida como heliosfera, a camada externa da bolha de partículas carregadas ao redor do nosso Sol . Crédito da imagem: NASA/JPL-Caltech

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Em 25 de agosto de 2012, a Voyager 1 voou além da heliopausa e entrou no espaço interestelar, tornando-se o primeiro objeto feito pelo homem a explorar este novo território.

O conceito deste artista mostra as localizações gerais das duas espaçonaves Voyager da NASA. A Voyager 1 (topo) navegou além de nossa bolha solar para o espaço interestelar, o espaço entre as estrelas. Seu ambiente ainda sente a influência solar. A Voyager 2 (abaixo) está explorando a camada externa da bolha solar. Crédito da imagem: NASA

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A Voyager 2, que está viajando em uma direção diferente da Voyager 1, cruzou a heliopausa para o espaço interestelar em 5 de novembro de 2018.

Sem concordar, os astrônomos discutiram através dos tempos, sobre onde termina o sistema solar. Uma interpretação diz que a fronteira é onde a gravidade do Sol não domina mais - um ponto além dos planetas e além da Nuvem de Oort. Este limite fica aproximadamente na metade do caminho para a estrela mais próxima, Proxima Centauri (ou Alpha Centauri C, distante aproximadamente 4,22 anos luz da Terra). Viajando a velocidades superiores a 56.000 km/h, as Voyagers levarão quase 40.000 anos para alcançar este limite um tanto indistinto, e elas estarão apenas na metade do caminho para a estrela mais próxima.

Ambas as espaçonaves continuarão a estudar as fontes ultravioletas entre as estrelas e os campos; e instrumentos de partículas a bordo das Voyagers continuarão a explorar a fronteira entre a influência do Sol e o espaço interestelar. As comunicações serão mantidas até que as fontes de energia das Voyagers não possam mais fornecer energia elétrica suficiente para alimentar os seus sistemas. Excluindo qualquer falha séria no subsistema da espaçonave, as Voyagers têm energia elétrica e combustível de propulsão suficiente para manter seu conjunto atual de instrumentos científicos até pelo menos 2025. Nessa época, a Voyager 1 estará a cerca de 22,1 bilhões de quilômetros do Sol e a Voyager 2 estará a 18,4 bilhões de quilômetros. Eventualmente, as Voyagers passarão por outras estrelas. Em cerca de 296.000 anos, ela passará a 4,3 anos-luz (40 trilhões de quilômetros) de Sirius, a estrela mais brilhante no céu.

As Voyagers estão destinadas - talvez para sempre - a vagar pela Via Láctea.

Com os dados que continuamos recebendo das Voyagers, o que mais estamos descobrindo a respeito do meio interestelar? Durante muito tempo o espaço entre nós e as estrelas mais próximas foi considerado um extensão vasta de "nada". Porém, os dados recebidos das sondas revelaram que, além dos limites de nosso Sistema Solar, existe uma região de atividade caótica e espumante, onde os campos magnéticos estão empurrando, lutando e amarrados uns aos outros.

Um artigo publicado no Astronomical Journal descreve uma forma nova de explosão de elétrons, que ocorrem no meio interestelar. Algo diferente está acontecendo com os elétrons dos raios cósmicos que estão passando por essa área: eles refletem e são impulsionados a velocidades extremas pelo avanço das ondas de choque produzidas pelo Sol.

Esse processo no qual as ondas de choque empurram as partículas não é nada novo. Entretanto, a novidade é que essas explosões de elétrons estão aparecendo muito antes do avanço da onda de choque e ocorrem em uma região supostamente tranquila do espaço (o meio interestelar).

Como uma pesquisa anterior mostrou, as ondas de choque estelares estão viajando para esta região do espaço como resultado de ejeções de massa coronal no Sol. Esses eventos altamente energéticos impulsionam gás quente e energia para o espaço, lançando-os em direção à heliopausa e ao meio interestelar em altíssimas velocidades. Como descrito no artigo, as rajadas de elétrons estão aparecendo muito antes do avanço das ondas de choque.

Os autores do estudo chamam esse fenômeno de “choques interestelares”. Como resultado, os elétrons aumentados se movem cerca de 670 vezes mais rápido do que as ondas de choque que os empurraram originalmente em direção à heliopausa. As sondas também detectaram as próprias ondas de choque, que apareceram entre 13 e 30 dias após os picos de elétrons.

Astrônomos já descreveram ondas de choque empurrando elétrons antes, mas essas interações ocorreram no local da onda de choque. Aqui, as explosões de elétrons estão acontecendo antes do choque, o que não foi visto antes. Os cientistas lembram que mais dados serão necessários para entender melhor esses resultados, incluindo informações da Voyager 2, que está a menos tempo no meio interestelar que a Voyager 1.

Créditos detalhados

Autores:

Daniel Araújo de França

Ailton Marcos Bassini (bassini@usp.br)

Apoio técnico:

Pedro de Oliveira Gruppelli