Controvérsias na ciência e ética

Nos anos de 1970, já era consenso na comunidade científica a relação entre o tabagismo e o câncer. Entretanto, um grupo de cientistas contratados pela indústria do tabaco apresentava na mídia (TV e jornais) posições contrárias ao consenso científico baseado apenas em seu renome como cientistas. Isso criou uma falsa controvérsia na sociedade, visto que a população questionava a veracidade das informações científicas mesmo com o consenso existente entre os pesquisadores. Muito devido a essa falsa controvérsia, as políticas públicas sobre o tabagismo só foram implantadas nos anos 2000. O que esse relato tem a ver com ética no fazer científico? Pensando nesse relato, como o educador pode trabalhar a controvérsia (ou falsa-controvérsia) na sala de aula ou em espaços não-formais? E o que são os temas controversos? 

Indicamos como referência de leitura este artigo de Mariana Brasil Ramos e Henrique César da Silva, ambos da UNICAMP:

Controvérsias científicas em sala de aula: uma revisão bibliográfica contextualizada na área de ensino de ciências e nos estudos sociológicos da ciência & tecnologia.

Fique por dentro do que rolou na discussão! 

Nossa primeira reunião aberta de formação teve como tema a relação entre temas controversos, ética e educação. Estavam presentes alguns estudantes de licenciatura em física, matemática, biologia e geografia, bem como alguns funcionários do Parque CienTec, e de forma coletiva iniciamos a discussão do tema a partir da problemática dos temas controversos que surgem na sociedade a partir da relação da ciência, política e sociedade. Para iniciarmos, foi feita uma breve apresentação mostrando alguns exemplos de temas controversos (científicos ou não) e como eles estão relacionados com o fazer científico e com o cientista. Trazendo como exemplo histórico a indústria do tabaco - a qual dizia nos anos 70 que o ato de fumar não era prejudicial a saúde, mesmo havendo evidências científicas que diziam o contrário - e dos ataques feitos ao IPCC (sigla em inglês para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) contradizendo o aquecimento global como causa antrópica. Com estes exemplos, partimos para a discussão buscando entender o papel do educador-cientista na construção e desconstrução dessas controvérsias. 

Neste sentido, o tema da natureza da ciência veio a tona. A partir das contribuições dos participantes, a ciência foi tratada como uma construção social e humana. Desta forma, entendemos a ciência não como um conjunto de verdades absolutas, mas como uma ferramenta para compreensão da realidade, que está sujeita a erros e correções em suas previsões, por exemplo. 

Partindo desse pressuposto, surgiu a questão da neutralidade da ciência. É possível que a ciência seja neutra em algum contexto? Ao longo de nosso debate, chegamos à conclusão que não, uma vez que a ciência, por ser uma construção social, é permeada pela cultura e pela subjetividade humana. Nem mesmo os métodos, sejam eles experimentais ou não, são isentos de subjetividade, já que eles também são construídos por seres humanos.

Neste ponto, a questão de como o desenvolvimento da ciência se dá na prática foi levantada, o que nos levou a pensar sobre de onde ele vem o financiamento das pesquisas, uma vez que o desenvolvimento científico é orientado por valores e serve a determinados objetivos.

Dada a conjuntura que vivemos, também comentamos bastante sobre a percepção de ciência que se tem hoje pela população em geral, dando especial destaque para os movimentos anti-ciência que têm surgido. Não é possível tratar desse tema sem uma análise política do atual momento. Para isso, resgatamos alguns elementos históricos sobre o surgimento da ciência na forma como a conhecemos hoje, que, no plano ideológico e material, esteve muito relacionado às revoluções burguesas na Europa nos séculos XVI e XVII. Por outro lado, os valores que acompanham o negacionismo hoje e que coincidem com a ascensão do conservadorismo são semelhantes àqueles valores aristocráticos, anteriores mesmo às revoluções burguesas.

Também a partir de uma perspectiva histórica, falamos sobre o combate a movimentos anti-ciência. Em muitos episódios, práticas bastante violentas contra a população foram levadas a cabo em nome da ciência, como foi o caso da criminalização de parteiras e curandeiras em diversos lugares da Europa durante a revolução científica do século XVI e a vacinação forçada aqui no Brasil. 

Diante disso, nos perguntamos: qual o papel do educador em ciências no combate aos movimentos anti-ciência? Concluímos que muito mais vale se apropriar do pensamento científico em sua totalidade do que acreditar nas “verdades” científicas cegamente, pois compreendendo seu potencial e suas limitações, os estudantes estarão preparados para olhar de forma crítica para os fenômenos naturais e sociais à sua volta. 

Entendemos, então, que a escola e espaços de educação não-formal (parques, museus, centros de ciências) tem papel fundamental neste processo, e que a forma como este papel será desempenhado passa pela formação de educadores. Por fim, falamos um pouco sobre nossos cursos de licenciatura e concluímos que, apesar de temas como estes surgirem em algumas disciplinas, especialmente nas que são voltadas para a educação, o debate ainda é bastante incipiente nos cursos como um todo. 


As referências bibliográficas que utilizamos na preparação da reunião, bem como as que foram indicadas pelos participantes são as seguintes:

RAMOS, Mariana Brasil; SILVA, H. C. Controvérsias científicas em sala de aula: uma revisão bibliográfica contextualizada na área de ensino de ciências e nos estudos sociológicos da ciência & tecnologia. VI Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências-VI ENPEC, Florianópolis, SC, Brasil, 2007.

Marandino, M. e Contier, D. Controvérsias, museus e exposições: será esse um bom momento para incrementar a relação entre museus e públicos? In Jornal Pensar a Educação em Pauta. Belo Horizonte, outubro, 2017.

Naomi Oreskes & Eric M. Conway. Merchants of doubt. How a handful of scientists obscured the truth on issues from tobacco smoke to global warming. Bloomsbury. New York, 2010, 368 págs.

LEITE, José Correa. Controvérsias científicas ou negação da ciência? A agnotologia e a ciência do clima. Scientiae Studia, v. 12, n. 1, p. 179-189, 2014.

CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. A ciência e a tecnologia no olhar dos brasileiros: percepção pública da C&T no Brasil: 2015. 2017.

LENTIN, Jean Pierre. Penso, logo me engano: Breve história do besteirol científico. Editora Ática, 1996.

Contato: reunioesabertascientec@gmail.com 

Autoria: Souza, C.; Humphreys, N.; Pontes, S.; Pusceddu, L. (2020) Controvérsias na ciência e ética.

Créditos detalhados

Autores: Caique Oliveira de Souza, Nicoly Dias Humphreys, Silas Lima Pontes.

Coordenação: Luca Hermes Pusceddu.