Comunidade acadêmica: a relação dos trabalhadores terceirizados com a universidade

As reuniões abertas de formação do Parque CienTec/USP voltaram após os feriados antecipados em São Paulo e tivemos que mudar das quintas para as quartas-feiras para nos adequar à disponibilidade da equipe, mas o horário de início foi mantido às 17hs.

O tema da nossa discussão foi "Comunidade acadêmica: a relação dos trabalhadores terceirizados com a universidade". A partir da noção de invisibilidade social, das vivências dos participantes e de notícias atuais relacionadas aos trabalhadores da Universidade de São Paulo, propusemos uma discussão sobre a importância desses trabalhadores e como se dá a sua relação com o resto da comunidade acadêmica.

Os materiais de consulta prévia recomendados foram:


Fingi ser gari e vivi como um ser  invisível: https://www.ip.usp.br/site/noticia/o-homem-torna-se-tudo-ou-nada-conforme-a-educacao-que-recebe-orquidario-cuiaba/


Trabalhadores do Hospital Universitário da USP fazem greve por vacina para todos: https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2021/02/trabalhadores-do-hospital-universitario-da-usp-fazem-greve-por-vacina-para-todos/


Redução em contratos de prestação de serviço resulta em demissão de terceirizados: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2020/07/reducao-em-contratos-de-prestacao-de-servico-resulta-em-demissao-de-terceirizados/

Fique por dentro do que rolou: 


A apresentação começou com a explanação do que é a invisibilidade social, a partir da uma tese de mestrado do psicólogo Fernando Braga da Costa. Durante essa tese ele trabalhou como faxineiro, indo  ao prédio onde estudava e não sendo reconhecido pelos colegas e professores. Essa invisibilidade social está presente diariamente na nossa sociedade.


Foi mostrado como essa invisibilidade social é considerada normal dentre as pessoas que exercem e sofrem dessa invisibilidade. A apresentação seguiu no intuito de entendermos a relação entre a invisibilidade social e os trabalhadores terceirizados, passando pela explicação do que é a terceirização e de como ela reduz os direitos trabalhistas. A lógica da terceirização está em fazer o mesmo serviço que uma empresa iria contratar, por um preço menor, por isso essa lógica torna, cada vez mais, a mão de obra do trabalhador mais barata.


Na sequência há ainda a relação entre a comunidade USP e os trabalhadores terceirizados e como essa relação afeta diretamente os trabalhadores, reduzindo salários, direitos, condições dignas de trabalhos. também foi explicitado como a pandemia afetou diretamente essa relação, com um exemplo que foi a demissão em massa.


Na discussão foram abordadas algumas experiências dos participantes em relação ao fenômeno da invisibilidade social e quais seriam os problemas e as vantagens que o processo de terceirização traz. Se você se interessou sobre os conceitos de invisibilidade social e terceirização, vamos deixar aqui um breve resumo sobre esses conceitos:


Invisibilidade social


A ideia do psicólogo Fernando Braga da Costa amadureceu a partir de uma tarefa passada por um professor de psicologia social, onde os estudantes deveriam realizar algum trabalho proletário, que não exigisse qualificação técnica ou acadêmica. Esse foi o ponta pé inicial para o trabalho desenvolvido por ele em seu mestrado. Ao total foram dez anos desempenhando a atividade de varrição na Cidade Universitária (Butantã), algumas vezes por semana e apenas em meio período. Um dos exemplos da vivência prática dessa invisibilidade social dados pelo psicólogo foi transitar pelos prédios onde estudava e não ser reconhecido por colegas ou professores, sendo que um deles chegou até a esbarrar nele.. sem olhar ou se desculpar.


Segundo o pesquisador, essa invisibilidade social ou invisibilidade pública é uma "espécie de desaparecimento psicossocial de um homem no meio de outros homens". A invisibilidade social é atribuída frequentemente àqueles que vivem nas calçadas das grandes cidades. Existem marcadores estéticos comuns, como cobertores velhos, pedaços de papelão, roupas sujas e etc. No caso dos trabalhadores terceirizados na USP, o uniforme de trabalho funciona como esse marcador estético, como indicador de um papel social de subordinação. É como se o uniforme transformasse a pessoa em um objeto.


O autor desses estudos ressalta que essa sensação pode até ser minimizada ou recusada pelo sujeito "apagado", como estratégia psicológica para reduzir o sofrimento imposto por essa situação, mas inevitavelmente deixa marcas. Uma pesquisa conduzida pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em  2012 estudou esse problema da invisibilidade social nos trabalhadores da área da limpeza na cidade de São Paulo. Para além dos dados obtidos, existem sutilezas como foi exposto numa matéria publicada no site do Sindicato dos Metalúrgicos, onde é citado o exemplo de duas trabalhadoras terceirizadas de um hospital que haviam relatado não terem sofrido discriminação, apenas "coisas normais". Ao exemplificar essas "coisas normais", aparecem situação como: uma pessoa entrar no mesmo elevador e nem olhar pra elas, pessoas não se sentarem na mesma mesa em refeitórios, não chamarem pelo nome e não pedirem por favor quando querem alguma coisa.


Terceirização 


A terceirização é a transferência de parte das atividades realizadas em uma empresa para outra, em especial atividades-meio, como por exemplo, limpeza, vigilância, transportes, recepção, jardinagem, etc. A ideia básica é reduzir os gastos e permitir que essa empresa foque apenas na sua atividade-fim, otimizando o seu funcionamento. É pelo menos assim que é vendido esse mecanismo, como um potencializador da eficiência das empresas.


Mas existem seres humanos envolvidos nisso e vale ressaltar que a ausência de um vínculo trabalhista direto, no entanto, não impede que sejam abertos processos trabalhistas. E isso ocorre com alguma frequência na USP, quando por exemplo, a Dima em 2005, a União em 2011 e Higilimp em 2016 decretaram falência e a universidade foi acionada para pagar os direitos trabalhistas devidos pelas empresas. Quem contrata de forma terceirizada é responsável subsidiário pelo pagamento das verbas trabalhistas.


Para se tornar uma alternativa interessante financeiramente, ou seja, permitir a redução de gastos de outras empresas, as empresas que oferecem serviços terceirizados precisam vender a força de trabalho pelo menor valor possível, o que tem um impacto inevitável nos salários dos trabalhadores. Dessa forma, o valor total dos salários pagos por essas empresas aos que vão prestar serviços em outras empresas somado ao valor total dos salários dos funcionários que atuam na administração da própria empresa e aos valores envolvidos na manutenção da empresa, entre outros, precisa ser inferior ao valor que as empresas gastariam para contratar diretamente os trabalhadores, pois ainda precisa sobrar algum lucro que justifique a existência desse empreendimento. Isso pode variar muito, em especial no oferecimento de serviços mais técnicos, como contabilidade.


A terceirização no Brasil teve um impulso importante com a Lei de Responsabilidade Fiscal de Fernando Henrique Cardoso no ano 2000. Um dos mecanismos dessa lei impunha limites nas despesas com pessoal no serviço público, esses limites seriam calculados a partir da receita corrente líquida das empresas, sendo de 50% no nível federal e 60% nos níveis estadual e municipal. A lei dispôs inclusive sobre punições administrativas aos que ultrapassassem esses limites. Com isso, diversas empresas públicas passaram a "reduzir as despesas com pessoal" através da terceirização.  E um capítulo jurídico mais recente ocorreu em junho de 2020 quando o STF julgou constitucional a chamada Lei da Terceirização de 2017, que permite a terceirização inclusive de atividades-fim das empresas.

Acompanhe aqui os slides utilizados na apresentação inicial, com as referências utilizadas:

Comunidade acadêmica: a relação dos trabalhadores terceirizados com a universidade

Se você não conseguiu participar, assista aqui a gravação na íntegra da atividade:

Contato: reunioesabertascientec@gmail.com 

Autoria: Damasceno, H.; Pontes, S.; Pusceddu, L. (2021) Comunidade acadêmica: a relação dos trabalhadores terceirizados com a universidade.

Créditos detalhados

Autores: Henrique Damasceno, Luca Hermes Pusceddu e Silas Lima Pontes.